quarta-feira, 30 de junho de 2010

Desespero em um ato

Devia haver desespero naquela mulher. Caso contrário não teria feito o que fez... Colocar cabelo em minha comida... E logo no prato que eu mais adorava.
A porção de batatas veio depois de uma briga feia entre o pai e a mãe. Eu - não me lembro por que - havia tomado o partido dele, e então ela fez o que fez.
Mas precisava ser tão?... Devia haver desespero.
Foi me dando essa explicação que tentei acomodar as idéias.
Mas isso, é claro, se deu depois de anos, passados vários anos do acontecido. Na hora não pude fazer outra coisa senão comer. Comer tudo, atônito. Aquelas batatas todas repletas de fios de cabelo arrancados no cubículo da cozinha. O que será que ela estava a me ofertar? Desespero...
Isso tudo - repito - não pôde ser pensado na hora, embora já tivesse em mim a sensação de erro. Foi com o passar do tempo, no entanto, que o erro se agigantou, ganhando proporções de um tumor. E era terrível de se ver. Foi, é e será terrível de se ver.
Fosse hoje teria tentado interromper o movimento devastador daquela família. Não se pode viver assim, meu Deus! - gritaria.
Mas na hora... Na hora só tive condições de comer aquelas batatas todas. E depois permanecer calado por mais alguns anos.

Um comentário:

Jean Carllo disse...

Este estilo, quase humorístico, dos seus textos é fantástico. Sem mais. Abraços!