terça-feira, 25 de janeiro de 2011

LUTO

As pessoas legais ficam de luto, experimentam o tempo da perda, carecem do tempo do recolhimento, e não andam por aí fingindo, da forma mais ridícula possível, indiferença frente às faltas, aos buracos, às ausências. As pessoas legais ficam de luto porque entendem, de uma maneira ou de outra, que o luto é condição da fruição que virá depois. É condição da alegria, do entusiasmo e da produção! Por isso, o luto. É que as pessoas legais produzem, e essa produção não decorre senão do reconhecimento da perda, da falta, que um desenho, um filme, uma poesia, uma música, ou qualquer outro ensaio de beleza vem tentar preencher, sem nunca alcançar plenitude, é claro. Acho que vocês sabem do que estou falando, pessoas legais que são.
Já os chatos - no que diz respeito à morte - assumem outra posição. Pra começar os chatos não percebem a morte senão quando se deparam com um presunto. São pequenos, tadinhos! E fazem questão de conservar a miopia que os mantém na mesma rota: os mesmos lugares, as mesmas queixas, a mesma lenga-lenga do mundo contra mim! Ui! Como os chatinhos sofrem! Como são perseguidos pela sociedade, pelo pai, pela mãe que se esqueceu de comprar iogurte, pelas mulheres que, afinal de contas, não entendem uma pequena traição ou pelos homens que nunca ligam no dia seguinte! Ai! Ninguém me liga no dia seguinte! Ninguém me atende! Ninguém me entende!
As mesmas queixas... Ai... Como sofrem esses chatinhos e inhas! E como estão estacionados nesse sofrimento irritadinho, nesse sofrimento birra, daqueles que abaixam as calças e ficam pulando em cima, abrindo berreiro.
Hey! Está aí uma diferença, meus queridos. A dor e o sofrimento das pessoas legais - isso eu já disse, e vocês naturalmente já sabem, pessoas legais que são - é condição da fruição que virá depois. Já nos chatos... Bem... nos chatos, a dor ( se é que é possível falar em dor sem diminuir o alcance e a dignidade desse termo) é condição de... é condição de repetição. Uma queixa levando a outra e a outra e a outra.
Obs. Uma parte desse texto é dedicada aos amigos Shara e Amir.

4 comentários:

Unknown disse...

Rico! Vc disse tudo! Maravilha! A escrita lhe cai muito bem. Bjo, Vanessa.

Fabiano Conte disse...

Uau! Muito bom isso, mano. Me fez pensar em tanta coisa... inclusive em como vc é um cara legal. (hehe)

Abraço

Rogério Shareid disse...

Obrigado meu amigo.

Matheus Arcaro disse...

Grande Ricardo.

Realmente o luto é fundamental. Aliás, a tristeza e a melancolia o são.
Num belo artigo intitulado "Elogio da Melancolia", Eric Wilson versa sobre isso. "o sonho da felicidade pode ser um pesadelo. Podemos crer que estamos levando ótimas vidas livres, quando nos comportamos artificialmente como robôs, caindo no conto dos desgastados comportamentos felizes e, enganados, perdemos o espantoso mistério do cosmo, sua terrível beleaz" e ele arremata: "as coisas são belas porque morrem".

Teu texto me fez lembrar também de Heidegger, para quem a existência autêntica só é possível pela angústia da morte.

Abraços.